sábado, 3 de novembro de 2007

Relação das operadoras de telefonia com IPTV (Milena Hygino)

IPTV: vale a aposta?
A alternativa que as teles fixas brasileiras apontam para a oferta de conteúdos de vídeo parece ainda estar um pouco longe da realidade. Do conteúdo à regulamentação, nada está definido. Mas as teles garantem que manterão os planos.
Os debates sobre a entrada das empresas de telefonia fixa na seara das empresas de TV por assinatura acenderam este ano no Brasil. Começaram com as três maiores operadoras de telefonia mostrando aos seus respectivos acionistas que estão investindo em tecnologia e há projetos em andamento, em linha com as operadoras de telefonia em outros países, que estão todas desenvolvendo pilotos ou mesmo aplicações já comerciais, ainda que em pequena escala. Outro fator que colocou combustível nessa discussão foi a decisão da Anatel de reabrir o mercado de TV por assinatura, preparando-se para outorgar novas licenças de TV paga. Somem-se a isso as declarações dos executivos das teles, o medo manifestado pelas empresas que sofreriam com a concorrência, o barulho feito na imprensa em geral e a conclusão é que a chegada das teles fixas no mercado de conteúdo aconteceria de forma rápida e arrasadora.Mas a boa notícia para os operadores de TV por assinatura por tecnologias “convencionais” (cabo, MMDS e satélite) é que a concorrência das empresas de telecomunicações na oferta de conteúdo não deve ser uma ameaça, pelo menos no curto prazo, no Brasil. A má notícia é que isso significa menos concorrência na disputa por conteúdos, o que, do lado de quem produz, é ruim. O que leva a estas duas conclusões é a constatação de que, no Brasil, há problemas de toda a natureza para que as empresas de telecomunicações avancem no mercado de televisão. Não há modelo de negócios claro que ofereça uma alternativa ao que já fazem as empresas de TV por assinatura, não há modelo regulatório, não há acordos concretos entre as teles e provedores de conteúdo e mesmo do ponto de vista tecnológico ainda há limitações a serem vencidas, ainda que este não pareça ser, no momento, o maior dos problemas. O que existe é um movimento claro das teles de se defenderem, já que suas margens estão sendo consumidas pelo avanço das tecnologias de celular e de voz sobre redes IP, o que detona o modelo tradicional de telefonia. Hoje, as teles fixas no Brasil não só não crescem mais em número de assinantes como muitas vezes perdem base. E as receitas geradas por esse assinante estão caindo. “IPTV não é mais uma opção, mas um imperativo de mercado para as operadoras”, afirmou Raul Katz, diretor da consultoria Adventis, que participou de seminário sobre IPTV realizado no começo de abril por TELA VIVA em conjunto com a revista TELETIME. No Brasil, o caminho que as teles começaram a seguir é o da IPTV, ou seja, transmitir os sinais de TV em uma rede de dados IP, de banda larga. Não confundir com TV pela Internet, na qual os sinais trafegam pela rede pública, sem controle de acesso ou qualidade. O modelo para IPTV é simples: conecte-se qualquer rede banda larga (no caso das teles, o caminho preferido é o do ADSL) a uma caixinha (um set-top-box) que transforma os sinais que chegam pela rede IP em sinais de vídeo, que são levados ao televisor. Há outros modelos usados pelas teles para levar sinais de televisão aos seus assinantes, como o da Verizon, nos EUA. O que ela optou em fazer foi instalar fibra óptica até muito perto da casa do assinante, e a partir dali conectá-lo com uma rede de cabos coaxiais, muito parecida com a rede das atuais operadoras de cabo. Esse modelo baseado em uma rede de fibras seguido pela Verizon é o mais eficiente, mas tem a desvantagem do custo elevado e da necessidade de construção de uma nova rede. Por essa razão, as teles de todo o mundo têm dado preferência à transmissão por IP até o set-top do usuário, já que a rede banda larga está instalada, pelo menos nas casas com ADSL. Pelos números do final de 2005, a planta de ADSL instalada no Brasil estava na casa dos 3,3 milhões, ainda que a maior parte em velocidades baixas, de 300 kbps ou menos, o que é um problema para IPTV. As maiores operações de IPTV no mundo são as da Free (na França) e a da PCCW (em Hong-Kong), com cerca de 700 mil e 500 mil usuários, respectivamente.
Ser diferente
Mas a questão essencial por trás da IPTV não é tecnológica, atestam os analistas e consultores que acompanham o desenvolvimento das plataformas. O que importa é o que as empresas de telefonia pretendem oferecer de diferente, que o assinante da TV por assinatura de hoje não tem, pondera Raul Katz. "O mercado ainda é limitado porque não se sabe qual é a diferenciação pedida pelo assinante. A integração de outros serviços como música, dados e interatividade, além de oferecer experiência superior à da TV paga, são fatores fundamentais para o sucesso do modelo de IPTV”, completa o consultor. A questão é como fazer isso. “Os assinantes de TV paga no Brasil passam 70% do seu tempo nos canais abertos. Quem quiser ganhar mercado neste setor tem de investir fortemente no conteúdo local independente e de qualidade para enfrentar essa situação”, avalia Otávio Jardanovski, diretor da empresa de pesquisa especializada em TV paga e telecomunicações PTS, ligada a esta revista. A questão é onde as teles conseguirão conteúdo de qualidade que seja competitivo em relação à TV paga e que seja viável. Elas teriam três caminhos: comprar conteúdos dos programadores atuais; comprar conteúdo de novos produtores de programação, independentes, e; produzir elas mesmas seus conteúdos. Cada alternativa tem seus riscos, prós e contras. Comprar o conteúdo existente hoje é o jeito mais fácil. Os programadores estão aí, o marketing está feito e bem ou mal já se sabe o que esperar. O problema é que os programadores são pressionados pelos operadores de TV por assinatura a não venderem para as teles a não ser que haja segurança regulatória de que elas poderão oferecer serviços de TV paga. Os programadores também são pressionados a não vender para as teles em modelos mais flexíveis do que os praticados atualmente. Ou seja, dificilmente as empresas de telecomunicações conseguirão comprar os canais de forma desagregada, para vender à la carte ou sob demanda, o que seria um diferencial em relação ao cabo, MMDS ou DTH existentes. Nem os programadores querem muito esse modelo mais flexível. Hoje, eles gostam de vender um pacote de canais e garantir que eles estarão disponíveis para o maior número de assinantes. A mudança, dizem, só se justificaria se houvesse a certeza de que grandes receitas estão no horizonte, o que não é o caso. Enfim, dificilmente os programadores tradicionais trocarão o modelo certo, atual, pelo duvidoso. E, assim, dificilmente as teles conseguirão se diferenciar das empresas de TV paga existentes. Outra alternativa para as teles fixas é comprar conteúdo de produtores que ainda não estão na TV paga, e aí correm o risco da novidade. Há produção independente no Brasil em volume suficiente para abastecer alguns canais de TV por assinatura? Há um modelo de remuneração desta produção que garanta o risco do investimento? Em caso afirmativo, esta produção poderia ser adquirida pelas teles para compor a programação dos modelos de IPTV. Mas é um conteúdo desconhecido. As teles não têm experiência com televisão, não sabem o que dá certo e o que não dá, o que dá audiência, como montar uma grade de programas. E o conteúdo independente não tem marca famosa nem tem público cativo. Tudo isso teria que ser construído do zero, o que não é um problema intransponível para as operadoras de telefonia fixa, que têm muito dinheiro para investir e contratar gente, mas é mais um obstáculo a ser vencido. A saída final para as teles fixas em busca de conteúdos diferenciados é elas mesmas partirem para a produção ou para a aquisição de direitos. Note-se que isso já acontece em pequena escala. O exemplo mais famoso é a Gamecorp, que se consagrou por ser a “empresa do filho do presidente Lula”. Trata-se de uma empresa que desenvolve conteúdos para um nicho de audiência composto por um público jovem e que tem como acionista a Telemar. A Gamecorp produz programas e conteúdos para serem distribuídos em canais abertos, como acontecerá agora com a Band, que vendeu algumas horas da Rede 21 para a produtora.Outro exemplo é a Telefônica, que adquiriu direitos sobre a Copa do Mundo no exterior e os repassou para a Vivo e para o portal Terra, que usará o conteúdo de forma a alavancar seus serviços de banda larga. Mas as teles não gostam de dizer que são ou que possivelmente poderiam ser produtoras de conteúdo. Primeiro, porque de fato não é o negócio principal de nenhuma tele produzir conteúdo. Depois, porque ao fazê-lo, sobretudo no Brasil, elas despertam a ira das empresas de mídia brasileiras, especialmente as televisões, que abrem artilharia com o argumento de que “são empresas estrangeiras fazendo comunicação social”. No caso da Telemar, esse nem seria o problema, porque em tese a operadora não tem nenhum sócio estrangeiro. Mas há um cuidado claro das teles de não provocarem as empresas de televisão. Note-se que, hoje, não há nenhuma restrição a que um estrangeiro produza conteúdo no Brasil, mas existem iniciativas de se mudar a legislação (no caso, a Constituição) para que este tipo de barreira surja. Existe um movimento de proteção de mercado por parte dos grupos de mídia nacionais, e o que as teles menos querem é precipitar esse debate.

Regras confusas
Além do conteúdo, a questão regulatória é outro grande entrave para as empresas de telefonia fixa entrarem no mercado de televisão por meio do IPTV ou por qualquer outra tecnologia. A legislação de TV a cabo impõe restrições à entrada das teles nesse mercado, o que é uma herança da época em que ainda havia o Sistema Telebrás, mas que permaneceu na Lei do Cabo e que hoje cria um paradoxo. A Lei do Cabo, de 1995, diz que a concessionária de telecomunicações só pode operar o serviço de TV a cabo se não houver interesse de “empresas privadas”. De lá para cá, as empresas de telecomunicações tornaram-se empresas privadas, mas o tema ainda é polêmico. As empresas de TV paga argumentam que, ainda que defasado, este dispositivo existia para evitar que empresas com imenso poder de mercado, como as teles, entrassem em um setor infante. Já as teles dizem que a proteção era contra um risco de “estatização” das empresas de TV a cabo, e que esse risco não existe mais. O advogado da Net Serviços, André Borges, defende que as concessionárias de telefonia local devem se limitar a ofertas que caracterizem o uso de suas redes apenas para o transporte de conteúdos como em serviços de video on demand (VOD), ou permitindo que novas entrantes de TV por assinatura prestem o serviço contratando essa infra-estrutura das teles. “Acho que o modelo regulatório da TV paga não precisa de mudanças. O que é preciso é que ele seja seguido por todo mundo”. Mas segundo o entendimento do diretor de regulamentação da Brasil Telecom, Luiz Otávio Marcondes, as teles não só podem oferecer VOD como também têm o direito de adquirir licenças de TV por assinatura onde houve licitação deserta, sem interesse de empresas privadas. “O que as concessionárias pretendem é ter oportunidade de prestar o serviço. Estamos acostumadas a cumprir obrigações e nesse aspecto ninguém ganha das concessionárias, porque são obrigações pesadíssimas”, analisa o diretor da BrT. A advogada Regina Ribeiro do Vale resume o momento atual: “Falta vontade política para resolver o assunto, o mercado está desesperado porque está sofrendo pressão da tecnologia e o órgão regulador, que existe para colocar ordem nisso tudo, está fraco”. Existe consenso de que as teles poderiam fazer hoje, se quisessem, vídeo sob demanda e pay-per-view. Em ambos os casos, os serviços só são viáveis com conteúdos muito fortes, o que elas não têm. Por isso elas defendem a possibilidade de fazer exatamente o que as empresas de TV paga fazem. André Bianchi, diretor de desenvolvimento de negócios da Telemar, vem batendo nessa tecla há quase um ano. “Só não oferecemos video on demand ainda porque queremos poder fazer programação de canais e só assim, pelo que observamos internacionalmente, o modelo é viável”.
Tecnologia pronta?
O terceiro obstáculo para a oferta de serviços de televisão pelas teles fixas é a capacidade da rede. No modelo IPTV, com os sinais chegando ao assinante por meio de uma rede banda larga, o problema é justamente quão larga é essa banda. Em tese, com uma compressão MPEG-4 consegue-se passar um canal em uma banda de 1 Mbps real (recorde-se que hoje o grosso das redes banda larga no Brasil é de velocidade inferior a 300 kbps) para cada ponto que vá ser instalado na residência. Mas é preciso somar a capacidade necessária para que a casa continue tendo banda larga e outros serviços IP cada vez mais comuns, como VoIP. No futuro não muito distante, para competir com as empresas de TV a cabo e DTH, as teles terão que oferecer ainda conteúdos em alta definição, o que aumenta ainda mais a banda necessária. Se quiserem oferecer serviços como DVRs (digital vídeo recorders), que permitem que se assista a um programa e se grave outro, é necessário receber pelo menos dois canais ao mesmo tempo, aumentando ainda mais a demanda por banda. Enfim, tudo o que as teles precisam fazer para serem competitivas com as operadoras de TV a cabo ou DTH demanda uma taxa de transmissão muito acima da média praticada por elas hoje. Isso para não falar nos investimentos em servidores, controle de acesso, centrais de atendimento, headend e todo o resto que precisa ser incorporado à realidade das empresas de telefonia. Os inúmeros casos que já existem no mundo mostram que tudo isso é possível de ser feito em um modelo de IPTV. Mas a questão é se vale a pena, considerando que a banda larga não tem, no Brasil, os mesmos índices de penetração de outros países onde os serviços IPTV já estão sendo oferecidos comercialmente. Além disso, o mercado brasileiro de TV paga tem um limite de penetração que parece já ter sido atingido pelo modelo tradicional de negócios. Se quiserem ocupar mais espaço, as teles precisariam inovar, e isso joga o problema de volta para a esfera do conteúdo e da regulamentação. “No Brasil, o que se diz é que a penetração da banda larga é pequena, se olhar o País como um todo. Mas São Paulo, por exemplo, já tem 30% de penetração de banda larga. É atípico, mas mostra um mercado fértil onde as teles querem investir: nas classes de maior poder aquisitivo (A e B) e onde também querem fidelizar seus clientes de serviços de telecomunicações”, explica Raul Katz. É exatamente nesses focos que as teles pensam em atacar. A Telemar já disse que pretende ter um serviço de vídeo para assinantes que gastam muito com outros serviços da empresa. Não vai oferecer em todo o Rio de Janeiro, mas apenas no Leblon, por exemplo. Já a Telefônica diz que estará pronta até o final deste ano para o oferecimento do serviço de IPTV. A rede de banda larga precisa de maior capacidade de transmissão e estão sendo realizados outros acertos tecnológicos à medida que os testes estão sendo conduzidos. Entretanto, isto não significa que o serviço só será lançado no final do ano; pode sair antes, diz o diretor de desenvolvimento de negócios residenciais da operadora, Márcio Fabbris. Ele não se arrisca a dizer onde a operadora lançará primeiro o serviço, pois está sendo testado também no Chile, onde a ativação está prevista para o segundo semestre. Mas adiantou que as negociações com os fornecedores internacionais de conteúdo ficarão sob a responsabilidade da Telefónica de España, enquanto os contratos com os fornecedores locais ficarão com a Telefônica no Brasil. A matriz espanhola já tem know-how com o Imagenio, serviço de televisão que atinge mais de 200 mil assinantes da rede fixa e está sendo estendido para os países onde a operadora está presente. O executivo não soube dizer se será mantido o mesmo nome. Mas os modelos que estão sendo praticados pelas teles fixas na Europa são rigorosamente iguais aos serviços tradicionais de TV paga. Ainda não se viu grandes inovações. “As teles vão ter que investir muito, pois não estão prontas para o vídeo como as empresas de TV a cabo”, diz Virgílio Amaral, diretor de tecnologia da TVA. Ricardo Miranda, presidente da Sky, lembra ainda que há a possibilidade de parcerias de venda com as teles, a entrega de serviços conjuntos. “Já temos acordos com a Telefônica, Brasil Telecom e Telemar em que as operadoras oferecem seus serviços em conjunto com a assinatura da Sky. O assinante paga menos quanto mais serviços agregar”, explica Miranda. Ele acredita que a IPTV muda o modelo de negócio da TV por assinatura, mas hoje o serviço que é alardeado pelas teles não é diferente do que a TV por satélite digital oferece. “Vamos amadurecer com a entrada de novos concorrentes e com o tempo teremos que mudar nosso modelo de negócios”, admite. No Brasil, as dificuldades são sempre maiores: renda concentrada, redes de qualidade ruim, limitações regulatórias e um mercado consumidor muito habituado à TV aberta. São estes os problemas que as teles enfrentarão, que são também exatamente os mesmos problemas que a TV paga enfrentou (e ainda enfrenta) para surgir e crescer no Brasil nos últimos 15 anos. Nada indica que as teles terão um caminho mais fácil, a não ser pela sua (muito) maior capacidade de investimento. Veremos se apenas isso fará a diferença.

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